Em contraponto à iniciativa governamental de produzir uma regulamentação geral, alguns sujeitos coletivos vêm construindo seus Protocolos próprios de Consulta Prévia. São documentos nos quais os povos “regulamentam” a consulta de maneira específica, de acordo com seus usos, costumes e tradições. Nesses protocolos, povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais expõem ao governo como estão organizados politicamente, como se fazem representar, quem fala em nome deles, como esperam que as informações sejam repassadas e como tomam decisões autônomas levando em consideração a coletividade. Os Wajãpi do Amapá foram o primeiro povo indígena do País a elaborar um protocolo próprio de consulta: Wajãpi kõ oõsãtamy wayvu oposikoa romõ ma´ë – Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi98, que, publicado em 2014, serviu de inspiração para a elaboração de dois outros protocolos de consulta, na região do Tapajós: o dos Munduruku99 e da comunidade tradicional Montanha e Mangabal100 e do Protocolo de Consulta do Xingu, aprovado em outubro de 2016. 97 Minuta da regulamentação do direito à consulta prévia no Brasil. Artigo 8. As consultas serão dirigidas, de acordo com a análise da Comissão de Consulta Prévia, às instâncias colegiadas, às instituições representativas ou diretamente às comunidades quilombolas. Parágrafo Único. A decisão sobre a quem se dirigirá a consulta deverá considerar a natureza do objeto e as condições operacionais para a realização da consulta, devendo orientar-se, em especial, pelos critérios de razoabilidade e economicidade. 98 Disponível em: http://www.rca.org.br/wp-content/ uploads/2016/01/2014_protocolo_consulta_consentimento_wajapi.pdf 99 Disponível em: http://www.consultaprevia.org/files/biblioteca/ fi_name_archivo.326.pdf 100 Disponível em: http://www.consultaprevia.org/files/biblioteca/ fi_name_archivo.321.pdf © Bruno Caporrino/Iepé 38 “pelos critérios de razoabilidade e economicidade”97. Segundo o documento, caberia ao governo decidir qual seria a forma de representação dos sujeitos interessados e o que orientaria essa decisão seria apenas a conveniência da administração pública, sem consideração às especificidades sociais e culturais que a Convenção resguarda. Por isso, caso seja aprovada, tal regulamentação negaria um processo de consulta culturalmente adequado. Lideranças wajãpi em oficina de discussão e construção de seu protocolo próprio de consulta, 2014 Há notícias de que outros povos estão em processo de elaboração de seus próprios protocolos. Os protocolos próprios de consulta constituem um marco de regras mínimas de interlocução entre o povo, ou comunidade interessada, e o Estado. A partir dos protocolos próprios, é possível construir o plano de consulta de cada processo. O plano de consulta constitui o primeiro acordo necessário entre as partes sobre as regras da cada consulta definidas conjuntamente entre o Estado e a comunidade consultada. No Plano de Consulta precisam ser acordados os interlocutores do processo, o local, a metodologia, o tempo e os recursos necessários para sua realização. Vale a pena destacar que a própria jurisprudência brasileira também tem reconhecido a necessidade de definir as regras do processo de consulta entre as partes antes de dar início à sua execução. Em decisão da quinta turma do Tribuna Regional Federal da 1ª Região, ainda sobre a ausência de consulta no caso de Belo Monte, a Desembargadora Selene Almeida menciona a necessidade de realizar uma “pré-consulta sobre o processo de consulta, tendo em vista a escolha dos interlocutores legitimados, o processo adequado, a duração da consulta, o local da oitiva, em cada caso, etc”101. 101 Voto Desembargadora Selene Almeida na EDAC 00007098.4.01.3903/PA, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, quinta turma TRF1, e-DJF1. de 27/08/2012p. 316

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