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presidência da FUNAI por descumprimento de decisão judicial.118 O órgão indigenista apresentou Suspensão de Liminar argumentando que estava priorizando
a demarcação de terras indígenas nas regiões sul e
sudeste e que a sentença iria de encontro a este planejamento causando “grave lesão à ordem administrativa”.119 O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região acatou o argumento e suspendeu a sentença
em 24 de agosto de 2014120, frustrando a expectativa
do povo Munduruku, que vive grande incerteza em
relação ao seu futuro, ainda que a Constituição Federal
ordene a proteção das terras tradicionalmente ocupadas, independentemente da etapa do processo administrativo de demarcação em que se encontre.
Apenas em abril de 2016, em meio ao processo de
impeachment da Presidente da República, Dilma
Rousseff, deu-se a publicação no Diário Oficial da
União do relatório de identificação da Terra Indígena
Sawré Muybu. Esse processo mostra que no Brasil se
inverte a lógica do licenciamento ambiental, impondo às comunidades locais a condição de obstáculos
a empreendimentos. O governo agiu de má fé ao
chamar o povo Munduruku para iniciar um processo
de consulta e agendar o leilão da Usina e, ao mesmo
tempo, negar-se a finalizar a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu121.
118
Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/justica-multa-funai-por-nao-cumprir-ordem-para-seguir-demarcacao-de-terra-indigena-munduruku
119
O argumento apresentado judicialmente não condiz com a
realidade, considerando que os dois últimos RCIDs publicados pela
Funai dizem respeito a Terras Indígenas localizadas justamente na
Amazônia: Terra Indígena Cobra Grande (disponível em: http://
www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3447-funai-publica-os-estudos-da-terra-indigena-cobra-grande-pa) e Terra
Indígena Kayuana-Tunayana. Disponível em: http://www.funai.gov.
br/index.php/comunicacao/noticias/3482-funai-publica-estudo-da-terra-indigena-kaxuyana-tunayana
120
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B5j1BfJM6nwPMGQ4R29SZXNoVUU/view?usp=sharing
121
O presidente da Funai, em reunião com os Munduruku, atribuiu
a não publicação à óbice apresentado pelo Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que mantém uma unidade de conservação nas proximidades do território reivindicado.
A informação foi desmentida pela presidência do ICMBio. A postura
também evidencia má fé no diálogo com os indígenas. Disponível
em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/icmbio-confirma-ao-mpf-que-nao-se-manifestou-sobre-sawre-muybu
Caráter livre
A Convenção 169/OIT e a jurisprudência internacional
também exigem que a consulta aos povos indígenas
e tribais ocorra de maneira livre de qualquer pressão.
Isso significa que os sujeitos interessados não podem
ser coagidos para decidirem em determinado sentido,
quer seja pelo poder do Estado, pelo uso da força, por
pressão de empresas ou pelo oferecimento de vantagens pessoais. A decisão de um povo indígena ou
tribal deve ser tomada de maneira livre, consciente e
como resultado de um processo de discussão interna,
de acordo com suas formas de organização, seus usos,
costumes e tradições. Na sequência, discutiremos dois
exemplos de práticas do governo brasileiro que frustram o caráter livre da consulta prévia.
O primeiro se refere à militarização da tentativa de
consultar o povo Munduruku com relação ao projeto da UHE São Luiz do Tapajós. A postergação
da obrigação de consultar e as demonstrações de
má fé do governo brasileiro, discutidas no subitem
anterior, prejudicaram a relação com o povo Munduruku. Em 21 junho de 2013, biólogos contratados
pelo empreendedor coletavam amostras para a
confecção do Estudo de Impacto Ambiental quando foram retidos pelos índios.122 Os Munduruku
afirmam terem encontrado materiais de pesquisa
em seu território e condicionaram a liberação dos
pesquisadores à realização de consulta. Dois dias
depois, o governo se comprometeu a suspender os
estudos e a iniciar o processo de diálogo123 e os pesquisadores foram liberados.
Porém, o governo federal lançou a “Operação Tapajós”, enviando centenas de agentes da Força Nacional de Segurança para a região, com o objetivo
de garantir a continuidade dos estudos ambien122
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HHXywvYbw_k
123
RODRIGUES, Alex. “Mundurukus libertam biólogos após governo anunciar suspensão de estudos sobre Rio Tapajós”. Disponível
em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-24/
mundurukus-libertam-biologos-apos-governo-anunciar-suspensao-de-estudos-sobre-rio-tapajos