inicial do governo. Por isso é importante destacar que
há uma tendência a se definir casos nos quais, sem o
consentimento explícito dos povos afetados, a decisão estatal não poderia ser implementada.
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De acordo com a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, quando os impactos de uma determinada medida a ser adotada por
parte dos Estados causarem danos irreparáveis e
violações de direitos fundamentais, que não justifiquem a desproporcionalidade da ação estatal, além
do direito à consulta, passa a ser exigível também o
consentimento dos povos afetados. Em outras palavras, a decisão do povo deverá prevalecer e vincular
a decisão governamental nos casos em que, além
da consulta, se exige o consentimento dos povos
indígenas.
No seu recente relatório titulado “Povos Indígenas,
comunidades afrodescendentes e recursos naturais: proteção de direitos humanos no contexto de
atividades de extração, exploração e desenvolvimento”, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprofundou a análise das situações que requerem o consentimento dos povos diretamente
afetados. A Comissão ratificou a posição da Corte
IDH no caso Saramaka vs. Suriname, no sentido de
que os projetos de grande escala devem ser precedidos não só de um processo de consulta, mas
do consentimento do povo indígena ou tribal afetado. A CIDH desenvolveu pautas de interpretação
para definir um projeto como de “grande escala”,
entre outras, com base na magnitude do projeto,
volume e intensidade de afetação sobre o território e o impacto humano e social da atividade. No
âmbito extrativista, a CIDH faz referência às atividades de extração de gás, minério e petróleo como
exemplos de atividades de grande escala.130
130
CIDH, Pueblos indígenas, comunidades afrodescendientes y
recursos naturales: protección de derechos humanos en el contexto de
actividades de extracción, explotación y desarrollo,31 de dezembro de
2015, paras. 185 a 193. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/
informes/pdfs/IndustriasExtractivas2016.pdf
Nos termos da Convenção 169/OIT, é necessário
obter o consentimento indígena ou tribal nos casos excepcionais de deslocamento compulsório
de povos de suas terras. 131 Por sua vez, o artigo
8 (j) da Convenção sobre Diversidade Biológica,
promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 2519/98,
prevê o respeito, preservação e manutenção dos
conhecimentos, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes para a conservação e a utilização sustentável da diversidade
biológica, e encoraja a repartição equitativa dos
benefícios oriundos da utilização desses conhecimentos, inovações e práticas. Para tanto, em 2010,
foi firmado o Protocolo de Nagoya sobre acesso e
repartição de benefícios, que estabelece a necessidade de se obter o consentimento livre, prévio
e informado de povos indígenas e comunidades
tradicionais com relação ao acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados
a recursos genéticos, bem como na definição de
repartição de benefícios relacionados.132
Artigo 16. 1. “Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir
do presente Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras que ocupam; 2. Quando, excepcionalmente, o
translado e o reassentamento desses povos sejam considerados
necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos
mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de
causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o
translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a
conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado,
nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar
efetivamente representados”.
132
Apesar de firmar o Protocolo de Nagoya em 2010, no âmbito
da Organização das Nações Unidas, o governo brasileiro não ratificou o instrumento até o presente momento.
131