Casos emblemáticos ilustram a discussão, evidenciando que um conjunto recente de medidas
administrativas e legislativas decididas sem consultas implicam violações do direito à autonomia
e dos direitos territoriais dos povos indígenas e
tribais, dentre outros preceitos fundamentais.
Além de identificar que no Brasil decisões, projetos e programas governamentais, leis, iniciativas
legislativas e também a jurisprudência, apresentam incongruências no tocante ao entendimento
e à implementação do direito à CCPLI, este estudo
sugere o aprofundamento conceitual e prático sobre a matéria. Esse cenário é ainda mais grave se
analisarmos os casos que envolvem grandes empreendimentos, atividades extrativistas e projetos
de lei. Até dezembro de 2015, dos mais de 3 mil
empreendimentos com processos de licenciamento ambiental que incluíam a participação da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e da Fundação Palmares,1 nenhum havia realizado, junto aos
povos tradicionais afetados, consultas adequadas
aos padrões internacionais de direitos humanos.
Cumpre destacar que o acompanhamento desses
projetos pela FUNAI ou Fundação Palmares não
exclui a necessidade de que o tomador de decisão realize consulta junto aos povos afetados, para
que estes tenham a oportunidade de influenciar
nas tomadas de decisões, fazendo respeitar seus
modos de vidas, seus planos de futuro, suas especificidades étnicas e socioculturais.
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De acordo com dados obtidos junto ao Serviço de Informação
ao Cidadão do Governo Federal existiam até 2015, no âmbito da
Fundação Nacional do Índio-Funai, cerca de 3mil pedidos de licenciamentos ambientais para projetos que afetariam povos indígenas;
e tramitavam na Fundação Cultural Palmares 198 licenciamentos
que afetariam comunidades quilombolas (43 linhas de transmissão,
35 rodovias, 17 ferrovias, 23 minerações, 18 aproveitamentos elétricos, 12 gasodutos e 50 “empreendimentos diversos”) em. Não há
dados consolidados quanto a empreendimentos que afetam povos
e comunidades tradicionais.
No âmbito legislativo, importantes projetos de lei
e de reformas constitucionais que versam sobre
direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais tramitam no Congresso Nacional sem nenhum tipo de processo de consulta. Projetos como
o de emenda constitucional PEC nº. 215/2000, que
altera os direitos territoriais de indígenas e quilombolas, ou o PL nº. 1016 de 1996, que trata de
mineração em terras indígenas, são algumas das
iniciativas legislativas que tramitam sem nenhum
processo de consulta, embora não reste dúvida
alguma sobre a obrigatoriedade de o Congresso
Nacional promover consulta prévia sobre este tipo
de matéria.
O desconhecimento do direito à CCLPI com relação a matérias legislativas ficou confirmado durante a recente aprovação da Lei nº. 13.123/2015
(Marco da Biodiversidade), que regulamenta o
acesso e exploração econômica de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados.
Ela tramitou e foi aprovada ignorando as reivindicações de consultas prévias feitas por povos indígenas e comunidades tradicionais.
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