figura jurídica totalmente inédita no continente, que
outorga ao Poder Legislativo um papel fundamental
na interlocução do Estado com os povos indígenas no
que se refere à exploração de recursos naturais especificamente das terras indígenas.
Entendemos que a oitiva constitucional é uma espécie do gênero consulta a medidas legislativas. Embora a oitiva seja um instituto mais antigo que a CCPLI
– pois foi criada pela Constituição Federal no ano de
1988 -, a Convenção 169/OIT pode ser utilizada como
vetor interpretativo da norma constitucional. Aliás,
um dos efeitos da tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos é justamente servir de viés
interpretativo para ampliar o conteúdo e o alcance
das normas constitucionais relativas a direitos e garantias fundamentais, conforme estabelecido pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Assim, a oitiva constitucional deve ser compreendida
como um tipo de consulta prévia, livre e informada
aos povos indígenas em relação a uma medida legislativa bastante específica: Decreto Legislativo editado pelo Congresso Nacional (Constituição Federal,
artigo 49, XVI) para autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra
de minérios em terras indígenas.
© Luis Donisete Benzi Grupioni/Iepé
Sendo a oitiva constitucional uma hipótese de consulta
à medida legislativa, ela não se confunde com a CCPLI
do empreendimento em si, hipótese de consulta sobre
Acampamento Terra Livre , 2013
medida administrativa. Portanto, quando forem previstos empreendimentos hidrelétricos ou minerários em
Terras Indígenas, duas consultas devem ser realizadas:
uma conduzida pelo Congresso Nacional antes da
emissão do Decreto Legislativo autorizador (oitiva); outra conduzida pelo órgão público interessado no empreendimento e responsável pela autorização.
Apesar do exposto, há jurisprudência que indica que
o artigo da Constituição que prevê a possibilidade de
exploração hidrelétrica ou minerária em terra indígena possui eficácia limitada, ou seja, demanda regulamentação legal para que tenha aplicabilidade.78
O artigo 176, parágrafo 1º, prevê que a pesquisa e a
lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
potenciais hidrelétricos em Terra Indígena deverão
observar condições específicas estabelecidas por lei
[complementar].79 Considerando que até o momento o dispositivo não foi regulamentado e inexistem
estas “condições específicas”, atualmente estes empreendimentos são considerados inconstitucionais
(Ver Projeto de Lei Complementar nº. 1.610/1996 no
Quadro nº 3).80
Embora empreendimentos hidrelétricos estejam planejados e em execução em rios localizados em territórios indígenas, como os casos do complexo de hi78
Decisão da Justiça Federal do Amapá anulando mineração em
Terra Indígena por ausência de regulamentação do art. 176, §1º
da Constituição Federal. Disponível em: https://drive.google.com/
file/d/0B5j1BfJM6nwPb3M5UGkzTEtzWG8/view?usp=sharing.
79
Sem consultar os indígenas, governo federal prepara regulamentação alternativa ao artigo 176, §1º. Ver “Governo prepara MP
que cria compensação financeira para explorar Terras Indígenas”.
Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-prepara-mp-que-cria-compensacao-financeira-para-explorar-terras-indigenas,10000003615.
80 Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade
distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento,
e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade
do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais
e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste
artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização
ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou
empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em
faixa de fronteira ou terras indígenas.
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