De boa fé A Convenção 169/OIT também dispõe que as consultas devem ser efetuadas de boa fé (artigo 6º, 2). A boa-fé é entendida como a confiança entre as partes, transparência, honestidade e respeito mútuo. O descumprimento deste requisito é recorrente nas poucas tentativas de consultas apresentadas no Brasil. Para demonstrar essa afirmação, abordaremos alguns aspectos de dois casos relevantes já mencionados ao longo do documento: a proposta de regulamentação geral do direito à consulta e a tentativa de iniciar o processo de consulta ao povo indígena Munduruku referente ao projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Já alertamos que a proposta de regulamentação do direito à consulta feita pelo governo federal foi criticada não somente por seu conteúdo, mas também por seu processo de elaboração, pois não garantiu a participação efetiva dos sujeitos interessados. O governo surpreendeu o movimento indígena ao publicar a Portaria nº. 303 da AGU, conforme já discutido. Ademais, tornou simples reuniões e atividades informativas em reuniões consultivas do processo de regulamentação. Rompeu, sem justificativa, o que havia sido pactuado previamente com representantes quilombolas e indígenas.102 O documento “Metodologia e Agenda do Grupo de Trabalho Interministerial sobre a regulamentação dos mecanismos de consulta previstos na Convenção 169/ OIT”103 estabelecia como principal método de trabalho do GTI “o diálogo permanente e qualificado com a sociedade civil, povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais”. O mesmo documento dividia o processo consultivo da regulamentação (chamada de consulta da consulta) em três etapas, com metodologias diferenciadas para cada uma delas: informativa (para “difundir informações 102 Quando o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) iniciou suas atividades, existia a promessa de construção de um processo participativo. 103 Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documento/165 sobre a consulta”), consultiva (para “construir consensos acerca do tema da regulamentação da consulta, de forma a produzir, no final do processo, instrumento de consulta que reflita os posicionamentos dos participantes do processo”) e devolutiva (para a “apresentação, concertação e devolução de todo o processo, principalmente da proposta de regulamentação dos mecanismos de consulta prévia”). Também definia o número de encontros previstos e os períodos (meses) em que deveriam ocorrer.104 No entanto, esse planejamento não foi cumprido e, embora a pactuação previsse 32 reuniões (sendo 27 informativas e 5 consultivas), foram realizadas apenas 11. Considerando as dimensões do país, a quantidade de povos indígenas e comunidades quilombolas (os povos e comunidades tradicionais foram excluídos destas etapas), e as dificuldades de acesso, é fácil deduzir que o número de reuniões realizadas não garantiu a representatividade de diversidade necessária ao processo, além de não ter atendido ao pactuado. Em suma, o processo de regulamentação da consulta prévia não observou o elemento da boa fé por parte do governo em diversas oportunidades, o que culminou em uma proposta de regulamentação restritiva. Outro caso que ilustra a má fé do governo federal é o processo de consulta proposto ao povo Munduruku em razão do projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Importante esclarecer que até o momento a consulta ao povo Munduruku não foi sequer iniciada. Por isso, quando mencionamos “consulta aos Munduruku” nos referimos às iniciativas mal sucedidas do governo em dar início ao processo, que por sua vez marcam a relação de falta da “confiança mútua” que deveria existir entre o governo e os Munduruku para a implementação de processo de consulta. “Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais participam da regulamentação do mecanismo de consulta prévia da Convenção 169 da OIT”, 17 mai. 2012. Disponível em: http://www.secretariageral. gov.br/noticias/ultimas_noticias/2012/05/17-05-2012-povos-indigenas-quilombolas-e-comunidades-tradicionais-participam-da-regulamentacao-do-mecanismo-de-consulta-previa-da-convencao-169-da-oit 104 39

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