Neste ponto, é preciso diferenciar o consentimento enquanto objetivo e o consentimento enquanto requisito
jurídico para a adoção da medida. A Convenção 169/
OIT estabelece que toda a consulta deve ter a finalidade
de chegar a um acordo. Na medida em que se chega a
um acordo, este passa a vincular as partes. O texto convencional não esclarece, todavia, qual posição deverá
prevalecer no caso de não se lograr um acordo.
Entendemos que, frente aos resultados de um processo de consulta, os governos podem, por exemplo:
•
reconhecer e corrigir erros cometidos no processo;
•
acordar ajustes e complementações para a realização de um processo mais adequado;
•
no caso de consultas satisfatoriamente válidas e
eficazes, estabelecer,quando necessário, mecanismos conjuntos de monitoramento de acordos e/
ou revisão dos mesmos.;
•
decidir pela continuidade do projeto ou da medida, conforme manifestamente ciente e acordado
entre as partes, especialmente no que diz respeito aos impactos sobre os povos e comunidades
consultados;
•
revisar o projeto ou a medida, antes de sua continuidade, considerando o posicionamento manifestado pelos povos e comunidades consultados; e
•
suspender ou arquivar o projeto ou a medida em
questão, considerando as manifestações dos povos e comunidades consultados, especialmente
no que diz respeito aos graves impactos averiguados ou confirmados sobre o direito dos sujeitos
envolvidos.
Essas possibilidades de desfechos dos processos de
consulta ilustram a necessidade de que os posicionamentos dos povos consultados sejam efetivamente
considerados pelo Estado antes da tomada de decisão. O direito à CCLPI impõe uma vinculação do resultado da consulta com a tomada de decisão que,
em alguns casos, pode resultar em um efeito proibitivo para o Estado.
Consulta e consentimento
De acordo com padrões internacionais de direitos
humanos aplicáveis ao país, há um espectro de diferentes graus de influência que a CCPLI deve exercer sobre a decisão governamental. Em 2003, a OIT
publicou manual onde esclarece que a “Convenção
não confere aos povos indígenas e tribais o direito de veto”129, ou seja, a regra é de que a decisão da comunidade consultada não tem o poder de simplesmente
negar a iniciativa do Estado, o que não significa que
o conteúdo da consulta não seja vinculante, em termos de condicionar e influenciar a decisão.
Desde que realizado um processo de consulta livre,
informado e de boa-fé, há casos em que é possível
que os governos adotem suas medidas a despeito
dos posicionamentos apresentados pelos povos e
comunidades consultados. Caso isso aconteça, os
governos devem tomar suas decisões de maneira
fundamentada e abarcando ou respondendo a todas as preocupações e os questionamentos eventualmente levantados pelos sujeitos ao longo da
consulta. Contudo, há que se reafirmar aqui que, se
conduzida de maneira válida e correta, não é possível
imaginar que os governos não alterem em nada seus
posicionamentos para melhor atender às particularidades dessa parcela específica de sua população.
Por outro lado, quando a consulta é realizada como
mero “check list”, sem observar seu devido escopo de
respeito à diversidade cultural por meio da proteção
da autonomia dos povos indígenas ou sem garantir
qualquer grau de influência na tomada de decisão
governamental verifica-se que o Estado termina por
apenas legitimar ações ou condutas abusivas contra
os direitos de povos indígenas e tribais.
No outro extremo do leque de possibilidades de efeitos legais do exercício do direito à consulta e consentimento está a hipótese de prevalência da posição dos
povos ou comunidades consultadas sobre a proposta
129
OIT. Convênio número 169 sobre pueblos indígenas y tribales: un
manual. Genebra: OIT, 2003, p. 16.
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