Poder Legislativo:
sem participação,
sem consulta
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No que diz respeito às medidas legislativas, encontramos a mais grave situação de violação do
direito à consulta. No Congresso Nacional, está
em curso a maior ofensiva legislativa aos direitos
indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais desde o marco constitucional
de 1988. Protagonizada pela bancada ruralista, a
ofensiva busca limitar direitos territoriais e a autonomia dos grupos, abrindo territórios tradicionais
à exploração econômica, sem respeitar os direitos
territoriais destes povos e muito menos consultando seus planos de desenvolvimento econômico e social, como manda a Convenção 169/OIT.
De acordo com a Relatora Especial da ONU sobre
os direitos dos povos indígenas: “(…) nenhum procedimento de consulta foi estabelecido com relação a
políticas ou medidas legislativas e administrativas que
impactam diretamente os povos indígenas. Essa falta
de consulta é extremamente problemática, considerando-se as contínuas tentativas no Congresso Nacional,
onde os povos indígenas tem pouca ou nenhuma representação, de propostas para enfraquecer as proteções
constitucionais e legislativas de seus direitos. Tais incluem propostas de emenda constitucional PEC215, que
alteraria o processo técnico de reconhecimento de direitos territoriais para um processo político, e de legislação
como o Novo Código de Mineração, e as mudanças nos
procedimentos de licenciamentos para mega projetos,
que prejudicam os direitos dos povos indígenas às terras, territórios e recursos e não incluem salvaguardas.”146
146
A/HRC/33/42/Add.1, para.64
Se aprovada, a PEC 215/2000 significará a paralisação
dos processos de demarcação destes territórios no
País, a revisão da titulação de territórios já reconhecidos e a remoção forçada de comunidades de territórios tradicionais para dar lugar a obras de infraestrutura ou projetos de exploração de recursos naturais por
parte de terceiros. A PEC 215 é considerada a iniciativa
legislativa mais perniciosa aos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas, implicando em
grave restrição a direitos coletivos. Apesar disso, tem
avançado no trâmite legislativo sem nenhuma iniciativa para realização de consulta prévia, livre e informada.
Embora os regimentos internos do Senado Federal
e da Câmara dos Deputados prevejam instrumentos
de participação direta da sociedade civil – como as
audiências públicas, reuniões espontâneas e comissões mistas -, estes não se confundem com a CCLPI,
muito menos retiram a obrigatoriedade desta.
Reitera-se a importância de identificar mecanismos
vigentes que façam com que seja acatada a obrigação de consulta no âmbito legislativo. Sugere-se que
seja obrigação da CCJ explicitar no parecer do exame
de admissibilidade se o direito à CCPLI foi ou não observado, já que em seguida a proposta será enviada
ao plenário para deliberação.
Destaca-se também a obrigatoriedade, em casos de
iniciativas legislativas oriundas do Poder Executivo,
de que o texto base da medida legislativa seja elaborado de maneira conjunta com os povos interessados, de forma a superar a fase de consulta administrativa sobre a iniciativa por meio de processo de
consulta prévia com todos os afetados.
É necessário que o Congresso Nacional disponha sobre o tema em seu regimento interno, reafirmando o
direito à consulta como etapa imprescindível do processo legislativo e de modo a evitar novas violações a
esse direito por parte do Legislativo. É preciso esclarecer, todavia, que a inclusão de tal previsão regimental
não é indispensável para a imediata efetivação do direito. Isso porque a Convenção 169/OIT possui, como
demonstrado, aplicabilidade imediata.