Poder Legislativo: sem participação, sem consulta 52 No que diz respeito às medidas legislativas, encontramos a mais grave situação de violação do direito à consulta. No Congresso Nacional, está em curso a maior ofensiva legislativa aos direitos indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais desde o marco constitucional de 1988. Protagonizada pela bancada ruralista, a ofensiva busca limitar direitos territoriais e a autonomia dos grupos, abrindo territórios tradicionais à exploração econômica, sem respeitar os direitos territoriais destes povos e muito menos consultando seus planos de desenvolvimento econômico e social, como manda a Convenção 169/OIT. De acordo com a Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas: “(…) nenhum procedimento de consulta foi estabelecido com relação a políticas ou medidas legislativas e administrativas que impactam diretamente os povos indígenas. Essa falta de consulta é extremamente problemática, considerando-se as contínuas tentativas no Congresso Nacional, onde os povos indígenas tem pouca ou nenhuma representação, de propostas para enfraquecer as proteções constitucionais e legislativas de seus direitos. Tais incluem propostas de emenda constitucional PEC215, que alteraria o processo técnico de reconhecimento de direitos territoriais para um processo político, e de legislação como o Novo Código de Mineração, e as mudanças nos procedimentos de licenciamentos para mega projetos, que prejudicam os direitos dos povos indígenas às terras, territórios e recursos e não incluem salvaguardas.”146 146 A/HRC/33/42/Add.1, para.64 Se aprovada, a PEC 215/2000 significará a paralisação dos processos de demarcação destes territórios no País, a revisão da titulação de territórios já reconhecidos e a remoção forçada de comunidades de territórios tradicionais para dar lugar a obras de infraestrutura ou projetos de exploração de recursos naturais por parte de terceiros. A PEC 215 é considerada a iniciativa legislativa mais perniciosa aos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas, implicando em grave restrição a direitos coletivos. Apesar disso, tem avançado no trâmite legislativo sem nenhuma iniciativa para realização de consulta prévia, livre e informada. Embora os regimentos internos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados prevejam instrumentos de participação direta da sociedade civil – como as audiências públicas, reuniões espontâneas e comissões mistas -, estes não se confundem com a CCLPI, muito menos retiram a obrigatoriedade desta. Reitera-se a importância de identificar mecanismos vigentes que façam com que seja acatada a obrigação de consulta no âmbito legislativo. Sugere-se que seja obrigação da CCJ explicitar no parecer do exame de admissibilidade se o direito à CCPLI foi ou não observado, já que em seguida a proposta será enviada ao plenário para deliberação. Destaca-se também a obrigatoriedade, em casos de iniciativas legislativas oriundas do Poder Executivo, de que o texto base da medida legislativa seja elaborado de maneira conjunta com os povos interessados, de forma a superar a fase de consulta administrativa sobre a iniciativa por meio de processo de consulta prévia com todos os afetados. É necessário que o Congresso Nacional disponha sobre o tema em seu regimento interno, reafirmando o direito à consulta como etapa imprescindível do processo legislativo e de modo a evitar novas violações a esse direito por parte do Legislativo. É preciso esclarecer, todavia, que a inclusão de tal previsão regimental não é indispensável para a imediata efetivação do direito. Isso porque a Convenção 169/OIT possui, como demonstrado, aplicabilidade imediata.

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