© Luis Donisete Benzi Grupioni/Iepé
Protocolos autônomos
de consulta
Resta concluir que, embora amplamente garantido em dispositivos legais, o direito de povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas
à consulta e consentimento é sistematicamente
negado em práticas políticas, administrativas e
até judiciais do Estado brasileiro, como discutido
ao longo desta publicação.
Não obstante, também precisam ser reconhecidos os
avanços promovidos por povos indígenas e comunidades tradicionais na proposição de instrumentos
concretos para a efetivação deste direito, como os
protocolos autônomos de consulta e a proposta de
elaboração conjunta de planos de consulta por representantes do Estado brasileiro e dos povos interessados, antes do início de cada processo de consulta.
Os protocolos de consulta elaborados, discutidos e pactuados de forma autônoma por comunidades ou povos
são instrumentos que explicitam sua governança interna, materializando e traduzindo em regras concretas
os princípios orientadores do direito de consulta, que
estabelecem a obrigatoriedade da adoção de procedimentos apropriados às circunstancias e do respeito às
instituições representativas de cada povo e/ou comunidade. Assim, apenas a manifestação autônoma de cada
comunidade pode indicar quais são as autoridades legítimas que as representam bem como definir os procedimentos que consideram adequados para estabelecer
um diálogo com os representantes do Estado.
Os protocolos de consulta elaborados até o momento no Brasil têm demonstrado como este instrumento também promove o fortalecimento de alianças
internas entre os povos, a definição de arranjos políticos entre eles, e a reafirmação da própria legiti-
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Índios do Xingu aprovam protocolo próprio de consulta, 2016
midade de todas as comunidades como sujeitos do
direito de consulta.
São os casos dos protocolos Wajãpi e Munduruku,
que reforçam a aliança entre aldeias e chefes políticos tradicionais; do Protocolo do Xingu, aprovado
junto ao Plano de Gestão do Território Indígena do
Xingu, que representa o acordo de governança interna entre 16 povos que compartilham uma única
terra indígena; e do protocolo das comunidades tradicionais de Montanha Mangabal, no rio Tapajós, que,
mediante a definição e apresentação pública de seu
próprio protocolo de consulta, demandam reconhecimento como sujeitos legítimos do direito de consulta, e da Convenção 169 da OIT como um todo.
Por fim, depois da reivindicação do exercício efetivo
do direito à consulta, os protocolos são um passo à
frente, representando o avanço mais tangível na efetivação deste direito, que interessa tanto aos povos e
comunidades como ao próprio Estado. Os protocolos de consulta são uma orientação para o exercício
do direito por aqueles que se sabem legítimos para
fazê-lo. Ao governo cabe, não apenas observá-los
e respondê-los, como também promover concretamente seu entendimento e sua elaboração autônoma por parte dos povos indígenas, quilombolas e
comunidades tradicionais de todo o Brasil.