Com a publicação do acórdão, seguiu-se a dúvida se
as salvaguardas estipuladas teriam efeitos vinculantes para todos os casos de direitos indígenas (ou seja,
eficácia erga omnes) ou se estariam restritas às partes do caso concreto julgado (eficácia inter partes). O
Ministério Público Federal e organizações indígenas
apresentaram embargos de declaração12 argumentando que algumas das salvaguardas violavam direitos previstos na Constituição e na Convenção 169/
OIT (especialmente, o direito ao usufruto exclusivo
dos recursos naturais e o direito à consulta prévia).
Em 2013, o STF decidiu sobre os embargos de declaração, considerando que as condicionantes previstas
são vinculantes apenas quanto às partes envolvidas
no processo.13 Sendo assim, de acordo com o STF, os
juízes e tribunais podem decidir de maneira diversa
em outros casos. Não obstante, jurisprudência posterior afirmou que o caso Raposa Serra do Sol analisou o regime constitucional da demarcação de terras
indígenas e, portando, definiu diretrizes constitucionais para aquele assunto.14 Essa incongruência segue
em debate e ainda não foi tratada com relação ao direitos de consulta e ao usufruto exclusivo dos povos
indígenas sobre suas terras.
No que diz respeito à consulta, no caso Raposa Serra do Sol, o STF entendeu que não se trata de um
direito absoluto, podendo ser excepcionado quando estiverem em jogo outros bens constitucionais
relevantes, como a defesa nacional. Significa que a
corte constitucional brasileira compreendeu que
operações militares não gerariam a obrigação de
Recurso processual que tem como finalidade solucionar obscuridade, omissão ou contradição de decisão judicial (Código de
Processo Civil, artigo 535).
13
Decisão disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documento/122
14
RMS 29542/DF - STF (TI Porquinhos), Voto do Relator: para.
6. Na assentada de 19.3.2009, este Supremo Tribunal concluiu o
julgamento do Caso Raposa Serra do Sol (Petição n. 3.388/RR). Pela
“superlativa importância histórico-cultural da causa”, examinou-se o
regime jurídico constitucional de demarcação de terras indígenas
no Brasil e fixaram-se as balizas a serem observadas naquele processo demarcatório. Erigiram-se, naquela oportunidade, salvaguardas institucionais intrinsecamente relacionadas e complementares
que assegurariam a validade daquela demarcação e serviriam de
norte para as futuras.
12
consulta aos povos afetados da região. Porém, ainda
de acordo com o STF, o mesmo entendimento não
poderia ser estendido a outros projetos como, por
exemplo a construção de uma estrada, mesmo que
estrategicamente importante. A decisão da Suprema
Corte brasileira dispôs que os resultados da consulta
“devem ser honesta e seriamente considerados”, afirmando ainda que tal recomendação não significava
que a decisão final do Poder Público dependeria de
aquiescência dos indígenas.
Ainda sobre as condicionantes para o caso Raposa
Serra do Sol, o STF afirmou que: o usufruto das riquezas do solo, rios e lagos poderia ser relativizado diante
de “relevante interesse público”; que ele não abrangeria os recursos hídricos e os potenciais energéticos,
nem pesquisa e lavra de riquezas minerais; admitiu
ainda a possibilidade de instalação de bases, unidades e postos militares, sem consulta aos povos indígenas envolvidos; bem como a atuação das Forças
Armadas e da Polícia Federal, também independente
de consulta aos povos indígenas; e, finalmente, que
o usufruto exclusivo dos índios sobre seus territórios
não impediria a instalação de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, inclusive sem qualquer processo de consulta.
No entanto, não fica claro se o entendimento do STF
no que tange à CCLPI, dentro das condicionantes do
caso Raposa Serra do Sol, constitui diretriz geral aplicável a outros casos ou não.
De toda forma, mesmo para o caso Raposa Serra do
Sol, apesar de reconhecer o caráter obrigatório da
consulta prévia no país, o precedente desconsidera
o corpus iuris internacional aplicável, sobretudo ao
excetuar as operações militares da obrigação de consultar e ao não prever os casos em que é exigida a
obrigação adicional do consentimento prévio, como
será explanado durante o texto.
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