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O artigo 6º da Convenção 169/OIT prevê que
devem ser consultadas todas as medidas administrativas44 e legislativas 45 que afetem diretamente povos indígenas e tribais. Trata-se
de oportunidade para o diálogo intercultural
influenciar a decisão de governo. Assim, não
caberiam hipóteses de exclusão do direito à
consulta sobre medidas que afetam os povos
interessados, suas terras e seus direitos; nem de
restrição por interesse público ou diminuição
do escopo da consulta para mera negociação
de mitigações e compensações.
Ao julgar os casos Saramaka vs. Suriname (2007) e
Kichwa de Sarayaku vs. Equador (2012), a Corte Interamericana de Direitos Humanos fez uso da técnica
de interpretação evolutiva para ampliar o alcance do
artigo 21 da CADH (direito de propriedade) ao direito
de propriedade comunal de povos indígenas e tribais, e a sua exclusividade no uso e gozo de seu território e de seus recursos naturais. A regra, portanto,
é a exclusividade.
CIDH, Informe No. 40/04, Caso 12.053, Comunidades Indígenas
Mayas del Distrito de Toledo (Belice), 12 oct. 2004, párr. 142 (tradução não oficial).
45
Medidas administrativas são atos com efeitos concretos e
específicos, como a construção de usinas hidrelétricas, projetos de
mineração, construção de postos de saúde ou escolas, mas também de abrangência geral, como decretos ministeriais, portarias, ou
instruções normativas, que pretendem detalhar ou regulamentar
direitos, ou políticas públicas para povos indígenas e tribais. Medidas legislativas são atos gerais e abstratos, como a edição de leis
(municipais, estaduais ou federais), decretos legislativos e emendas
constitucionais. Não obstante, existem medidas legislativas de
efeitos concretos e específicos, a exemplo do decreto legislativo
que autoriza a implantação de uma hidrelétrica em terra indígena,
conforme será discutido.
44
© Todd Southgate
Objeto
Usina Hidrelétrica de Belo Monte construída
sem consulta aos povos afetados, 2016
Nesse sentido, o Sistema Interamericano entende
que, excepcionalmente, qualquer limitação ou restrição ao direito à propriedade comunal e ao usufruto
exclusivo indígena deve atender simultaneamente
a cinco requisitos: a) estar prevista em lei; b) ser necessária; c) ter um fim legítimo; d) ser proporcional à
lesão causada ao direito restringido; e) não ameaçar a
subsistência física ou cultural do povo.46 A fim de assegurar que a medida prevista não ameace a subsistência do grupo afetado, o Estado deve cumprir três
garantias adicionais: realização de consulta prévia,
livre e informada; repartição de benefícios, e estudo
de impactos conduzidos por entidades independentes e tecnicamente capazes.47
Assim, violam a Convenção 169/OIT e o artigo 21
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos as interpretações que restrinjam o alcance
da consulta ou estabeleçam exceção às hipóteses
de incidência. A “urgência” ou o “interesse público” que supostamente subjazem a uma a medida
não autorizam o governo a deixar de consultá-la,
mesmo porque estas exceções não estão previstas nas normas internacionais.
46
47
Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam, op. cit., p. 29.
Idem, p. 41.