No caso do Brasil, entende-se que a Portaria nº. 303 da AGU (assim como a decisão do STF nos embargos de declaração do Caso Raposa Serra do Sol) é incompatível com os tratados internacionais que integram o ordenamento jurídico nacional, pois desobriga o governo de consultar as comunidades afetadas acerca de empreendimentos, atividades e presença militar em terras indígenas: (V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI. (VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI. (grifo nosso) A supracitada Portaria também afronta disposição específica da Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, assinada pelo Brasil: “Artigo 30.2 - Os Estados realizarão consultas eficazes com os povos indígenas interessados, por meio de procedimentos apropriados e, em particular, por intermédio de suas instituições representativas, antes de utilizar suas terras ou territórios para atividades militares”. Outro caso de violação do direito à consulta por equívoco de entendimento restritivo quanto ao objeto é verificado na minuta da regulamentação da consulta prévia elaborada pelo GTI do governo federal. O artigo 7º, inciso IV do texto prevê que serão consultados os “Projetos de Infraestrutura no território quilombola”48, pois desconsidera que projetos não localizados nos territórios possam impactar diretamente os sujeitos interessados. Aliás, a minuta de regulamentação restringe ainda mais a hipótese de aplicação do direito à CCPLI ao considerar território quilombola apenas as terras “identificadas, delimitadas ou tituladas por órgão competente”49. Ou seja, com a minuta, o governo sinaliza o entendimento de que comunidades quilombolas que vivam em territórios não reconhecidos pelo Estado (ainda que os ocupem tradicionalmente) não teriam direito à consulta. Outra restrição relacionada à interpretação do que vem a ser objeto de consulta prévia é a escolha conveniente e unilateral, por parte do governo, das decisões a serem consultadas. Dessa forma, o governo se dispõe a realizar processos de consulta sobre a definição de medidas de mitigação e compensação de impactos derivados de empreendimentos, mas nega-se a consultar a própria viabilidade, ou não, do empreendimento. Para ilustrar esta situação, recorreremos ao caso do projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, já discutida em outras passagens deste documento. 48 Artigo 7º. Serão objetos de consulta prévia: IV- Projetos de Infraestrutura no território quilombola relacionados à geração e transmissão de energia, transportes, portos e aeroportos, projetos de assentamento de reforma agrária e demais intervenções físicas, abarcando aproveitamentos, extração e uso de recursos naturais, com potencial de produzir consequências diretas sobre os territórios quilombolas. 49 Artigo 5º, II - Território Quilombola: áreas ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, identificadas, delimitadas ou tituladas por órgão competente. 23

Select target paragraph3